terça-feira, janeiro 5


RUBEN  MÁLIA
Aqui há gente
Algures nos velhos bairros do Porto,na sombra dos ícones turísticos de uma cidade antiga,vive um grupo de pessoas que fizeram da cidade o que é hoje.
Pessoas que, por vezes,por trás de um sorriso tímido,escondem a amargura de uma vida dura que os seus olhos não conseguem esconder.
Os censos de 2012 dizem-nos que cerca de 400000 idosos moram sozinhos e 800000 vivem com alguém com 65 anos ou mais,sendo 31% deles na região norte.
Com o aumento da esperança de vida,a mudança do papel da família na sociedade moderna,e o crescente investimento em turismo,o Porto começou lentamente a esquecer estas pessoas que o ajudaram a construir.

Um grupo de estudantes universitários em 2008 começou a identificar e visitar estes pessoas.A diferença nas suas vidas levou a um novo começo,dando-lhes uma nova luz.






 RUI OLIVEIRA
Aleixo
Uns querem muito ficar no lar onde sempre viveram; outros lutam, dia após dia, por uma mudança de vida; todos sabem que a degradação do Bairro do Aleixo, no Porto, já ultrapassou o limite do suportável. Cinco anos depois da primeira demolição promovida no bairro social portuense, há mais de 300 moradores de torres por demolir à espera de realojamento. A entrada de um novo parceiro no fundo imobiliário criado para o efeito – que estava em risco de liquidação – surgiu como uma luz ao fundo do túnel. Mas o desalento, esse, continua cravado no rosto dos residentes, cansados de encarar a humidade doentia das quatro paredes.





HELENA FLORES
Saudade levada ao peito


Saudade Levada ao Peito, de Helena Flores, é uma exposição sobre o luto. E o que é o luto, se não uma exposição, a exposição de uma relação que  ultrapassa a morte? Sabemos que, se carregado de sentido, o luto é uma forma de dizer: eu amava; mais, sabemos que é uma forma dizer “eu amo”, pois, como escreveu numa das suas crónicas Valter Hugo Mãe, "na morte  há sempre uma celebração a fazer: a de nos constituirmos como memória daqueles que morrem e sermos ainda uma manifestação das suas vidas".

É isso que fazem estas mulheres de Caxinas, ao levarem no peito os rostos de pais, maridos, filhos ou netos que partiram. Elas lançam uma âncora que, assim presa ao seu corpo vivo, impede os seus mortos de desaparecerem na deriva do esquecimento: o seu, e o dos outros. Criada nesta comunidade piscatória, Helena Flores nunca foi indiferente a esta presença constante dos ausentes, a esta convivência com a morte, que por ali ainda subsiste para cá dos muros dos cemitérios onde as sociedades urbanas a vêm escondendo. 

Esta exposição prolonga também a vida de um projecto iniciado pela autora no curso que frequentou no Instituto Português de Fotografia. Num primeiro momento, em 2014, ele foi mostrado na rua, nas varandas de Caxinas, seguindo a filosofia da organização produtora, a Bind’ó Peixe, enquanto associação cultural e de defesa do património local: garantir, através de manifestações como esta, que não se percam no tempo as marcas da identidade desta população do concelho de Vila do Conde.

Agora, penduradas numa galeria do Porto, sem a nortada ou o rumor dos transeuntes que reconhecem cada um dos seus rostos, estas fotografias expõe-se ao teste da sobrevivência fora do sítio. Oferecendo, porventura, sentidos outros a quem, nada sabendo sobre a história destas mulheres e daqueles que elas carregam ao peito, apenas vislumbra, nestes retratos, uma pose para a saudade. Essa que assim se deixou fotografar. De peito cheio, podemos garantir.



Abel Coentrão
 Jornalista e presidente da Bind’ó Peixe - Associação Cultural

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